Qual o papel de Nanuque nessa discussão?
A Bahia e Minas Gerais possuem vários pontos de convergências, por exemplo, na troca de costumes, relações econômicas no comércio e no agronegócio. Historicamente, esses dois estados já foram ligados pela Ferrovia Bahia-Minas. Mas, também pontos de divergências, como uma disputa histórica por território em suas fronteiras no Vale do Mucuri, que ainda no presente, num momento ou no outro, é aflorado por um dos lados através de publicações em jornais e outros sistemas de comunicação de ambos os lados.
Por outro lado, a dinâmica geográfica atual que se mostra muito mais pela interdependência do que uma rivalidade por novas demarcações territoriais.
Em geral os estudos sobre fronteiras, para a sociedade, sempre remetem à fronteiras entre países. Mas, para nós da Geografia, uma delimitação geográfica entre dois territórios é sempre um campo fértil para estudos; e isso inclui fronteiras entre estados, cidades ou até mesmo entre bairros.
Os territórios, sejam do ponto de vista da sua fisiografia ou construídos a partir de imaginário coletivo ou individual, desenhados numa folha de papel ou na mente das pessoas, eles podem ser compreendidos como espaço de poder, parte das relações afetivas e também comerciais realizadas por diferentes setores da economia de ambos os lados, principalmente, no caso de territórios que fazem fronteiras, como no caso do cerne desse projeto.
A questão que coloco aqui é uma continuidade das minhas pesquisas desenvolvidas na região do Extremo Sul da Bahia, desde o meu doutorado em finalizado em 2009, que se tornou um livro publicado pela Editora da Universidade Federal da Bahia com o título “Do isolamento regional à globalização: contradições sobre o desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia".
A região do Extremo Sul da Bahia (figura 01) tem uma área territorial de 30.648 km², maior em 8.000 km² que o estado de Sergipe, possui 21 municípios e com vários distritos, inclusive, com dinâmicas maiores que muitas cidades pequenas do Brasil, como são os casos de Posto da Mata (Nova Viçosa), Itabatã (Mucuri) e Arraial D’Ajuda (Porto Seguro). Os dois primeiros distritos estão num processo de urbanização que está ultrapassando as suas cidades-sedes.
No último Censo do IBGE, a população do Extremo Sul da Bahia foi contada em 823.469 habitantes. Maior que o número de habitantes de Roraima (634.804 hab.), Amapá (774.268 hab.) e um pouco abaixo do Acre (829.780 hab.). Portanto, é uma região que apresenta números demográficos de estados brasileiros. Entretanto, até a década de 1980, mais da metade desta região da Bahia dependia comercialmente de Nanuque, uma cidade do Vale do Mucuri, em Minas Gerais.
Entender o processo dessa inversão na importância regional é fundamental para se ter uma perspectiva do que pode acontecer com os municípios de outros estados que fazem fronteira com o Extremo Sul da Bahia bem como a sua dinâmica futura.
Geralmente, quando se fala em fronteiras, se pensa em fronteiras entre países, mas é preciso pensar que temos as nossas fronteiras internas, que pela colocação de linhas abissais, impedem a construção de um cenário de integração regional e ou nacional. Por outro lado, regiões de estados podem se fundir de forma não oficial construindo um cenário de interdependência que podem ultrapassar as barreiras dos seus estados de origem. É o que sempre aconteceu com os municípios de Nanuque e Serra dos Aimorés em relação as cidades do Extremo Sul da Bahia.
Laços históricos, como o percurso da Ferrovia Bahia-Minas; relações econômicas, como o desmatamento, a pecuária e mais recente o eucalipto e a cana de açúcar; e as relações culturais, como a comida e muitas vezes o falar, ligam o Extremo Sul da Bahia e seus vizinhos no lado de Minas Gerais no vale do Mucuri.
Mas, com o passar do tempo, como ficaram essas relações? O que os unem ou separam essas regiões da Bahia e de Minas Gerais? Essas questões devem fazer parte das discussões municipais, sobretudo para Nanuque, que ainda tem a sua importância regional eleitoral, é só observar o número de candidatos a deputados federal e estadual que frequentam Nanuque em tempos de corridas eleitorais.
Também tem sua importância econômica; não é toda cidade com a população de Nanuque que possui um rede bancária considerável na diversidade. Porém, vem perdendo força em relação aos principais municípios do Extremo Sul da Bahia. Nanuque não é mais um polo de atração populacional como já foi no seu passado. E também exerce pouca influência nos municípios vizinhos na Bahia.
Os planos de desenvolvimentos regionais adotados pelos estados contemplam um pool de municípios que se unem em torno de alguma atividade econômica. Dessa forma, a região se fortalece no seu crescimento econômico e também político.
Mas, e especificamente Nanuque? Um ponto é crucial abordar, dentro de uma visão geográfica: o primeiro é que Nanuque não tem uma posição geográfica privilegiada, encravada num vale, com apenas parte de sua urbanização margeando a BR.
Dessa forma, Nanuque é um importante meio de ligação geográfica entre Minas Gerais e a Bahia, porém, para Minas Gerais, Nanuque é fim de linha (dentro de um contexto geográfico, não pejorativo).
Nanuque (políticos, setores da economia e a sociedade em geral) precisa discutir o que quer para o futuro. Se vai se satisfazer com o pouco que Minas Gerais tem a lhe dar e ser uma extensão não oficial do Extremo Sul da Bahia ou se vai planejar retomar a sua importância regional.
Sou um dos pouco geógrafos no Brasil que trabalha com o reordenamento do território brasileiro, principalmente, com o território da Bahia, e, particularmente, com o Extremo Sul da Bahia. A minha tese de doutorado sobre essa região mostra que num futuro ela poderia se tornar uma nova unidade federal. Não estou dizendo que isso irá ocorrer, é apenas o resultado das minhas pesquisas.
A sociedade em geral não sabe dos vários pedidos que existem na Câmara Federal sobre o desmembramentos de estados para a formação de outros, ou mesmo de criação de novas cidades. Quando fiz a minha tese, mostrei um mapa que revela o quanto de pedidos havia naquela época (figura 02).
Vejam que a criação de um possível estado chamado Minas do Norte incluiria a área de Nanuque. E volto a chamar a atenção para que municípios de fronteiras tenham um gabinete ou consultoria permanente para acompanhar esse tipo de dinâmica. Nanuque preferiria estar ligada a uma possível capital como Montes Claros ou seria mais vantajoso pertencer ao Extremo Sul da Bahia?
É bem verdade que isso não acontece de uma hora para outra, talvez são os nossos netos ou bisnetos que irão participar dessas decisões, mas é preciso que Nanuque tenha conhecimento, estudos, e que faça debates sobre o seu futuro. Um fórum anual permanente de discussão que reuniria todos os setores do município junto com pesquisadores seria interessante.
Este pequeno texto não é para dar respostas - isso necessitaria de uma pesquisa de média e longa duração, como a que desenvolvo sobre o Extremo Sul da Bahia. Sendo um nativo de Nanuque, morando distante, a minha contribuição é provocar, no bom sentido, a busca de caminhos para Nanuque.
Tenho acompanhado várias reportagens sobre a retomada de discussões sobre que envolvem os territórios de Minas Gerais e Bahia, particularmente onde está o território de Nanuque. Essa não é uma discussão inocente, e creio que Nanuque não pode ficar como coadjuvante sobre o seu destino. Ao contrário, ela tem que impor, através da política e conhecimentos científicos de todas as áreas do conhecimento, o que ela deseja para o seu futuro. A não ser que os poucos privilegiados que lucram política e economicamente com Nanuque desejem continuar que nossos jovens não vejam futuro na cidade onde nasceram que se tornem imigrantes, por falta de oportunidades, para outras cidades de Minas Gerais ou para o Extremo Sul da Bahia.
Mas, acredito que a maioria dos políticos bem intencionados, do setor econômico e das famílias nanuquenses como um todo, queira que Nanuque volte a ser referência regional, estadual e nacional (igual a cotação do boi que saía todo domingo no Globo Rural).
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